Catalunha: sentença da independência dada



(artigo publicado no Semanário SOL - 14 de outubro de 2017)

O governo espanhol decidiu declarar guerra à Catalunha e, da forma como o fizeram e continuam a fazer, determinaram num médio prazo a existência da Catalunha independente, apesar do pretendido pelo Governo de Madrid ser exatamente o inverso. 
O uso musculado da força da autoridade legal, com prisão de vários líderes políticos regionais, com o bloqueio de locais de voto, é uma forma de potenciar ainda mais o extremismo da independência. Um processo que deveria ser de confluência de interesses, cooperação e partilha versus o de submissão de uns aos outros, levará à união mais acérrima de um povo contra o seu “opositor”. Aquela que deveria ser uma discussão pela positiva, através do jogo das vantagens da Espanha una, tornou-se no jogo do extremar de posições, pois a posição do Governo de Madrid foi o de cerrar fileiras no discurso típico de quem está mais preocupado em manter a posição dos interesses dos Bourbons e outros barões de Castela, do que em ouvir democraticamente o povo.

À semelhança do que há uns tempos ouvimos em Portugal, a despeito de opiniões pessoais do médico Gentil Martins, ou dos livros para as meninas e os meninos da Porto Editora, o Governo de Madrid é a favor da Liberdade e Democracia, desde que a Liberdade e Democracia seja a definida por eles. Tal qual Mariana Mortágua diria da Comissão para a Igualdade de Género de que esta por existir cumpriu o seu papel ativo, também o Governo de Madrid demonstrou a sua existência e o seu papel ativo. Recordemos que vários ditadores tiveram sobre os seus povos posições de subjugação ao seu poder, da sua “liberdade e democracia”, mas não venceram a força da razão e da verdadeira liberdade e ambição de populações.

E o pior poderá estar para breve, caso o radicalismo de parte a parte permaneça, tendo em conta a realidade histórica e cultural dos povos e regiões espanholas. O pior será o ressurgimento de atentados terroristas, como os existentes nos anos 70 e 80, perpetrados pelo movimento separatista ETA, com o seu objetivo de um País Basco independente. Esta ação da Catalunha ressuscita também o adormecido processo do vizinho País Basco. Isto é, o Governo de Madrid iniciou um processo equivalente à entrada num “túnel desconhecido”: sabe que entrou e que irá sair dele, só não sabe é como e quando sairá. 

Este caso é mais um exemplo da crise de valores que a Europa atravessa, por falta de objetivos, de visão e de líderes com verdadeiro espírito de missão. A cada nova eleição, ou referendo, esta crise agudiza-se e sem fim à vista. Os interesses pela manutenção do status quo continuam a “assobiar para o alto”, abrindo-se espaços, cada vez mais profundos e mais reacionários do descontentamento popular, com o recrudescimento de ambições antigas de independência de povos, bem como o reforço de forças políticas extremistas e demagógicas, de direita e de esquerda, por essa Europa. Exemplos recentes, mais e menos subtis, estão a crescer em Portugal, Espanha, França, Áustria, Holanda e Alemanha, para além do famoso Brexit no Reino Unido. Todos eles são exemplos, práticos e concretos, desta cada vez maior radicalização e definhar dos ideais defensores de uma Europa una e líder mundial, quer cultural, quer economicamente. 

Voltando ao tema concreto da Catalunha e à razão de ser desta ambição de independência da região: ela é a mesma pela qual apoiámos apaixonadamente a independência de Timor-Leste e o resultado do seu referendo. Ela é a ambição de um povo com raízes culturais profundas e distintas, que poderá considerar a existência de mais vantagens em tornar-se independente do que manter-se numa região autónoma. Mas, deixem o povo decidir, deixem que um referendo livre e para todos os catalães possa decidir. Espanha deve existir pelo que une os seus povos e regiões, não pelo que os afasta. 


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